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17 agosto 2011

Donos das empresas de ônibus não pagam multas e promovem a pirataria


Brasília-DF

Adriana Bernardes
Publicação: 17/08/2011 08:00 Atualização:
Com a anuência de vários governos, os empresários do transporte coletivo de Brasília tomaram para si o controle do sistema e iniciaram uma era de descaso na prestação do serviço. A certeza da impunidade alcançou um patamar tão improvável que eles inovaram promovendo a pirataria no sistema convencional. Mesmo com estrutura precária de fiscalização, as multas aplicadas às empresas não param de crescer. Nos sete primeiros meses deste ano, foram 5.415 autos contra 5.955 ao longo do ano passado. O descumprimento de horários e os problemas mecânicos estão entre as principais irregularidades. No total, foram aplicadas punições da ordem de R$ 3.515.400,00, valor que supera os R$ 3.500,280,00 de 2010.

Os donos dos coletivos, e também os últimos governos, têm desrespeitado leis e desafiado a Justiça. O Ministério Público, por meio da Procuradoria Distrital dos Direitos do Cidadão e promotorias do Consumidor e do Patrimônio Público, ingressou com uma ação civil pública em 2001 para obrigar o GDF a licitar todas as linhas. O Executivo tentou legitimar a falta de concorrência pública ao sancionar a Lei Distrital nº 3.229/2003, que previa a prorrogação de todas as permissões por mais sete anos. Em 2005, o MP entrou com nova ação para tornar os atos do governo nulos.

Dez das 14 empresas do sistema pertencem aos grupos Planeta, Viplan e Amaral. O trio também acumula escândalos e os mais antigos veículos em operação, conforme divulgou o Correio na edição de ontem. Elas são investigadas pela Polícia Civil sob a suspeita de clonarem os próprios ônibus para faturar sem pagar impostos.

Há duas semanas, o Governo do Distrito Federal descobriu que os empresários lucravam pelo menos R$ 100 mil diariamente, livres de qualquer tributo, com o transporte de aproximadamente 40 mil passageiros de forma clandestina.

Piratas
Ainda não se sabe exatamente quantos “piratas oficiais” circulam no DF. “Isso foi possível com a retomada do controle do Sistema de Bilhetagem Automática (SBA). Desde que descobrimos a fraude, suspendemos o repasse desse dinheiro aos operadores”, informou o diretor-geral do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), Marco Antônio Campanella. Apenas em 2010, 988 ônibus foram lacrados e multados em R$ 1.080 cada por estarem rodando em linhas não existentes ou que pertenciam a outra empresa.

No DF, os empresários do transporte nunca se sentiram pressionados pela fiscalização, já que as multas só existiam no papel. Todos os autos aplicados até 2002 foram cancelados por conta de terem sido previstos em um decreto e não por meio de lei. Ao longo de 2009, houve pressão para que o governo encontrasse um meio de cobrar as multas aplicadas. Optou-se pela inclusão dos devedores na dívida ativa. “A lógica anterior não era a de punição. Eles nem sequer recorriam das multas. Mas a Lei Distrital nº 3.106, de 2002, permitia a inclusão na dívida ativa e estipulava que, para recorrer em segunda instância, era preciso quitar o débito”, explica o diretor operacional do DFTrans, Ricardo Leite de Assis.

Porém, em 2009, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 21, proibindo a exigência do pagamento do débito em período anterior ao questionamento da infração. “Depois, veio a Caixa de Pandora, e tudo ficou parado. Este ano, todos os processos, inclusive os que estavam na dívida ativa, retornaram para o DFTrans. Abrimos novo período para recurso e, à medida que o prazo vence, quem não paga vai para a dívida ativa”, detalha Ricardo. De 2002 a 11 de agosto deste ano, o DFTrans aplicou cerca de R$ 25 milhões em multas aos empresários. Do total, R$ 14 milhões ainda não foram pagos.

Apesar das benesses, os empresários não se sentiram obrigados a renovar a frota, muito menos a melhorar a qualidade do serviço. Eles seguem desprezando cuidados básicos com a manutenção dos coletivos, além do cumprimento de horários e itinerários, os principais motivos dos autos aplicados. Ônibus que deveriam estar aposentados desde 2000 circulam normalmente por Santa Maria. A reportagem flagrou a operação de um veículo fabricado em 1995 e outro de 2000. Pelas regras atuais, o governo limita em sete anos a idade dos carros em circulação. “Tem ônibus que dá medo de entrar, de tão velho. A população merecia veículos novos e empresas que cumprissem o horário. A gente liga, reclama e nada acontece”, conta o montador Tiago Pereira da Silva, 23 anos, morador de Santa Maria.

A última tentativa de substituir os veículos antigos acabou na delegacia. Em maio, a Operação Drakkar 2, desencadeada para apurar a pirataria no transporte público, revelou que 975 veículos velhos foram incluídos no sistema, a partir de 2007, sem licitação. A manutenção dos ônibus que já deveriam estar fora das ruas foi oficializada por meio da rubrica “excepcionais” no cadastro no DFTrans e assim permanecem até hoje.

Justificativa na falta de reajuste
Há seis anos, as tarifas de ônibus estão congeladas e, nem assim, a insatisfação dos usuários é menor. O argumento da população é que o preço da passagem é alto e o serviço, de péssima qualidade. As empresas, por sua vez, argumentam que é impossível renovar a frota sem promover o equilíbrio das contas. O secretário de Transportes, José Walter Vazquez, reconhece que o custo operacional na capital é mais alto do que em outras cidades, em parte por conta da distância entre as regiões administrativas.

O cenário pintado pelos empresários do setor é bem diferente do que enfrenta o cidadão que depende de ônibus. Na visão dos donos dos coletivos, a tarifa no DF está entre as mais baratas do Brasil. “Elas variam de R$ 1,50 a R$ 3,00, ficando, em média, em R$ 2,20. Nas principais cidades do país em que o IPK (quantidade de passageiros transportados por quilômetro, índice que mede a produtividade da linha) é mais alto, temos tarifas únicas acima de R$ 2,80 e até de mais de R$ 3,00”, informou, por e-mail, o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano (Setransp).

O secretário de Transportes reconhece que é preciso reformular o sistema. Segundo ele, em Goiânia, o faturamento por ônibus é o dobro do registrado em Brasília. Além disso, ele destaca a importância de reformular a legislação local que trata do transporte público, o que já está em andamento no âmbito da secretaria e do DFTrans. “O custo operacional aqui é muito mais alto que o de outras cidades brasileiras. E tem o problema das gratuidades. Agora, o governo assumiu integralmente, se antecipando ao Projeto de Lei nº 166, que está em discussão no Senado”, explica Vazquez, referindo-se à proposta que proíbe os estados, os municípios e a União de incluir na planilha de custos da tarifa as despesas com os benefícios concedidos a idosos, deficientes e estudantes.

Por meio da assessoria de imprensa — que responde pelo grupo Viplan, Planeta e Setransp —, as empresas desmentiram a existência de ônibus piratas no sistema, alegando que os veículos foram autorizados a circular em horários de pico. Quanto às queixas de falta de manutenção, a assessoria informou desconhecer o problema e garantiu que “os reparos são periódicos e rigorosos”.

Os empresários também alegam não ter conhecimento do descumprimento de horários. Para eles, a culpa é do trânsito. Responsável pela controladoria do Grupo Amaral, Leonardo Silva cobra do Executivo projetos que considera simples, como a destinação de vias exclusivas para os ônibus, a exemplo do que ocorre em outras cidades brasileiras. Leonardo afirma, porém, que não há desculpa para veículos rodarem com pneus carecas, assim como no caso de motoristas que passam direto sem atender o passageiro. “O usuário deve reclamar. Agora, pode ser que o ônibus esteja cheio. Do contrário, é um mau profissional”, diz.

Desrespeito à Constituição
O Poder Executivo, a quem cabe colocar ordem no transporte público, também tapou os olhos ao longo dos últimos anos e, em alguns momentos, fez o que podia para incrementar o negócio que envolve o setor. Foi assim com o inchaço da frota sem licitação pública. Nem a Constituição Federal de 1988, que impôs aos entes federativos a obrigatoriedade de promover o certame, impediu o empresariado de cometer as ilegalidades. A determinação presente na Carta Magna foi regulamentada por meio da Lei Federal nº 8.666, de 1993, conhecida como Lei das Licitações. A norma institui regras para a realização de concorrências e manutenção de contratos.

fonte: correio braziliense
folha 08:59

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