Wildes Barbosa - 23.9.10
 Jovens infratores internados em Goiânia: servidores denunciam falta de estrutura
Jovens infratores internados em Goiânia: servidores denunciam falta de estrutura
Se diante dos olhos da sociedade o cenário de drogas e delitos envolvendo jovens parece grandioso, a realidade dos centros que os acolhem para a execução de medidas socioeducativas não é menos difícil ou cruel. O clima de insegurança gerado pela falta de servidores, de instalações adequadas e de qualificação que atendam os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as recomendações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) já provocou o afastamento de pelo menos 40% dos aprovados no último concurso público da Secretaria Estadual de Cidadania e Trabalho (SECT) nomeados há cerca de um ano. Com a exoneração de servidores comissionados e temporários, o trabalho aumentou e a sensação de impotência também. Muitos que permanecem denunciam agressões no ambiente de trabalho, praticadas por adolescentes em conflito com a lei, privados de liberdade.

Responsável pelo atendimento de jovens sentenciados por atos infracionais, a SECT absorveu em agosto de 2010 pouco mais de 400 dos mil aprovados no concurso para prover vagas em seus dez centros de internação, como educadores, agentes de segurança, pessoal administrativo e técnicos de nível superior. "Nos últimos seis meses estamos só apagando incêndios. Quando assumimos não havia suprimento de alimentação, veículos para audiências, contrato de medicação, sem citar a questão pedagógica, apenas o suporte logístico. A lei é clara: o Estado é obrigado a proporcionar condições de manutenção, contenção e segurança", detalha a superintendente da Criança e do Adolescente da SECT, Luzia Dora. Segundo ela, servidores comissionados foram exonerados na expectativa de que os demais concursados fossem chamados, mas veio uma ação judicial que impediu novas nomeações, o que foi um agravante. "Tem unidade que teria de ter 120 servidores, mas apenas 50 estão trabalhando", assegura.

Insegurança
Dos pouco mais de 400 que entraram, sobraram cerca de 40%. Muitos pediram afastamento por não suportar a carga de trabalho e o clima de insegurança, outros não se adaptaram e há ainda aqueles que optaram por não assumir o cargo. "É um processo de autosseleção. Trata-se de uma ação extremamente cautelosa, delicada, que oferece riscos. Adolescentes comprometidos socialmente estão agrupados", reconhece Luzia Dora.

Esta situação tem tirado o sono dos educadores sociais e agentes de segurança, servidores que têm a função de lidar diariamente com os jovens internados. Em e-mail enviado ao POPULAR, um deles, identificado como Edgar, conta que na semana passada um adolescente usou uma barra de ferro para dar um golpe na testa de um colega; outro servidor está afastado porque foi atacado por três jovens quando os conduzia ao alojamento após o banho de sol. "Não temos respaldo da secretaria, nem garantia de segurança. Recebemos salário bruto de R$ 1,5 mil para executar esse trabalho de alto risco", detalhou.

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional (CAO) da Infância e da Juventude do Ministério Público Estadual (MP), Liana Antunes Vieira Tormin explica que a instituição tem consciência de que o problema é de difícil solução. "Os educadores estão trabalhando em condições inadequadas, precisam de mais capacitação e mais efetivo. Entretanto, a realidade não pode ser considerada nem pior nem melhor do que outros Estados, os problemas são semelhantes". Conforme a promotora de justiça, reuniões entre a SECT, o MP e o Poder Judiciário são realizadas constantemente para discutir as medidas necessárias dentro de cada esfera para minimizar os problemas. "A responsabilidade é do Estado, mas todos nós estamos preocupados em contribuir para a operacionalização dessas ações", diz a coordenadora do CAO da Infância e da Juventude.

Medo
A julgar pelos relatos dos servidores do sistema socioeducativo empossados há cerca de um ano, as ações governamentais precisam ser agilizadas. "Tenho medo de voltar a trabalhar", diz um deles, que está afastado. Helen ( nome fictício ), educadora social, conta que 98% dos internos, que têm entre 13 e 18 anos, são usuários de entorpecentes e receberam medida socioeducativa em regime fechado por serem homicidas, traficantes e latrocidas. É o caso de dois deles, ambos de 17 anos, acusados de assassinar os irmãos Antônio Alves do Nascimento e Orisval Alves no interior da panificadora da família no fim de junho, em Goiânia. Os dois, que se conheceram nas ruas da Região Leste e sempre praticaram atos infracionais juntos, voltaram para a Casa de Internação de Adolescentes (CIA) instalada nas dependências do 1º Batalhão da Polícia Militar, no Setor Marista. "Eles foram aplaudidos na chegada pelos outros. Estão lá como celebridades porque cometeram um latrocínio", conta um servidor do sistema socioeducativo.

"Eles são muitos e nós, poucos. Entre eles há um código de ética, se um resolve atacar, os outros aderem. Não temos nenhum tipo de arma e eles tiram ferros das estruturas de concreto para fazer armas brancas. Temos de fazer vistas grossas para ficar bem com os meninos", conta um agente de segurança. Em média, são 3 agentes para cuidar de 20 adolescentes. Segundo ele, um colega foi agredido por não poder atender a solicitação de um interno que estava dormindo quando o lanche foi servido. "Os outros comeram o lanche dele, mas sobrou para o educador que foi atacado pelas costas". São comuns casos em que adolescentes atiram água gelada e fezes nos servidores.

A superintendente da SECT, Luzia Dora, reconhece que os problemas existem e são grandes os desafios, mas ressalta que os novos servidores do sistema socioeducativo de Goiás não foram enganados sobre a função que assumiriam. Na opinião da superintendente, muitas pessoas fizeram o concurso para agente de segurança e educador social na expectativa de serem transferidas. "O concurso é específico para esta modalidade de atendimento e não há outro local que os absorva", reafirma.
 
"Tem unidade que teria de ter 120 servidores, mas apenas 50 estão trabalhando. Há um grande déficit."

Luzia Dora, superintendente da Criança e do Adolescente da SECT

"Não temos respaldo da secretaria, nem garantia de segurança. Recebemos salário bruto de R$ 1,5 mil para trabalho de alto risco."

Servidor que não quis se identificar
fonte: o popular
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