Cristina Cabral
 Com pneumonia, Laudicena esperou cinco dias por vaga
Com pneumonia, Laudicena esperou cinco dias por vaga




Tudo começou com uma simples tosse, em maio, mas que não passava. A aposentada Laudicena da Silva Pereira, de 64 anos, ia a Centros de Atendimento Integral à Saúde (Cais), tomava remédios e dias depois estava novamente no Cais. Até que a família a levou a um pneumologista e constatou líquido em um pulmão. Laudicena está com pneumonia, provavelmente em decorrência de nódulos.

Seu estado é grave e piorou na última semana. Enquanto aguarda o resultado de biópsias, ela não anda, tem constante falta de ar, dificuldades para comer, para falar. Por último sofreu uma insuficiência nos rins. Ficou internada no Cais do Jardim América, onde recebeu uma sonda na bexiga e respira com ajuda de um balão de oxigênio, porque não havia vaga em uma unidade de terapia intensiva.

A crise da falta de UTIs é histórica mas atingiu o auge neste ano com quase três mortes de pacientes por dia em Cais e no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), à espera de vaga. Em julho, 94 pessoas morreram na fila de espera - aumento de 54% em relação a junho, com 61 mortos. Estado e município disponibilizam, juntos, apenas 756 leitos para uma demanda de 12 mil pacientes por mês.

Em maio, as Secretarias Municipal (SMS) e Estadual (SES) de Saúde uniram-se para anunciar medidas que reduziriam índices de mortes. Prometeram mais leitos. Mas a agonia na fila por UTI não cessa. Na época do anúncio, o déficit médio de vagas estava entre 6 e 10 por dia, em Goiânia. Em julho, houve dias em que mais de 20 pessoas aguardaram na fila da UTI, com espera de até quatro dias.

Laudicena esperou por terapia intensiva de domingo a quinta-feira da semana passada. Ela ouviu dos médicos, ainda no Cais, que corria risco de morte sem UTI, porque não aguentaria uma parada cardíaca. "Tem muitos dias que estou pelejando. Estou aqui de castigo. Fico de Cais em Cais", falou baixinho, esforçando-se para ser entendida, enquanto tentava se sentar na maca, no Cais do Jardim América.

No quarto, mais quatro pessoas eram atendidas ao mesmo tempo. "Aqui é bom, eles são atenciosos, mas não tem estrutura", disse Lívia Rodrigues, de 30 anos, filha. Ela e as irmãs recorreram ao Ministério Público (MP-GO) e descobriram nove pacientes na frente de Laudicena. Por fim, chamaram a imprensa. Uma hora após a visita do POPULAR ao Cais, ela foi transferida para um leito na Santa Casa de Misericórdia, mas para a enfermaria, porque ali também não havia vaga na UTI.

"Eu disse 'doutor, pelo amor de Deus, coloca minha mãe na UTI, que ela vai morrer'. Ele falou que eu tinha de esperar alguém ir a óbito, porque não tinha vaga. Para eles (médicos) é normal falar isso, mas imagina o que é receber esse notícia", contou Lívia. Na Santa Casa, Laudicena fez uma drenagem no pulmão, de onde saíram 600 mililitros de líquido. Só chegou à UTI na noite de quinta-feira. Foi induzida ao coma para aliviar seu sofrimento.

punição
"Quando não morre, as sequelas (da espera) podem ser irrecuperáveis", diz a promotora Marilda Helena dos Santos, da área da saúde do Ministério Público (MP-GO). Há em sua promotoria inquéritos civis contra o Estado e o município, mas ela diz encontrar dificuldades para reunir provas e responsabilizar gestores públicos pelas mortes. "É difícil provar que um paciente morreu pela falta de UTI". Ainda assim, Marilda insiste em conseguir provas. "Trabalho para conseguir instaurar um inquérito penal", afirmou.

Em reunião com os secretários Elias Rassi (municipal) e Antônio Faleiros (estadual), em 10 de maio, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF-GO) pediu 70 leitos em regime de urgência. "Ainda não fomos atendidos", disse a procuradora Mariane Guimarães, interina na procuradoria.

A falta de planejamento, aponta Mariane, é uma das principais causas das filas. Ela cita hospitais filantrópicos, como a Casa de Misericórdia de Anápolis, quem tem taxa de ocupação dos leitos de UTI de 121%. "Enquanto isso, há hospitais, principalmente particulares, com índice próximo a 0%", diz.

Entre as medidas em maio, a SMS aumentou valores dos convênios para leitos contratados em unidades privadas e filantrópicas, mas que, segundo promotores, não teriam surtido o efeito esperado.
fonte : o popular
folha 08:56